Para conhecimento de quem ler, achei super válido repassar esse texto.
Muito bem escrito e que retrata bem a dor das pessoas de Pinheirinhos frente à uma ação desumana e inadmissível.
Não cabe mais nenhum comentário aqui, apenas leiam o texto.
Artigo do Defensor Público Wagner Giron de la Torre
Tentemos abstrair o fato de que a ocupação, por cerca de 9 mil pessoas, ao chamado bairro Pinheirinho, em São José dos Campos, tenha se consolidado, há 6 anos, sobre área inerte de terras improdutivas, pertencentes a empresa falida de conhecido golpista do sistema financeiro pátrio.
Tentemos, ainda, abstrair que, em contraposição à decisão de primeira instância da justiça Estadual, ordenando a evacuação sem alternativa habitacional alguma a esse enorme contingente de pessoas pobres, pendesse uma outra, emitida pelo Tribunal Regional Federal, mandando suspender o despejo compulsório dessa comunidade.
Tentemos, por fim, nos esquecer que nestes últimos 6 anos houve tempo suficiente para que os diversos níveis de governo (federal, estadual e municipal) tentassem, com a seriedade até hoje não vislumbrada, através de diálogo franco com esses despossuídos, indicar mecanismos concretos de assentamento habitacional digno para todos. Afinal, não vivemos na tão decantada “sétima economia mundial”, emergindo num “crescimento econômico sem precedentes”.
Vamos nos ater, apenas, ao fato, incontestável, de que a maior parte desse enorme contingente de assentados urbanos é formada por pessoas amplamente vulneráveis, como mulheres, crianças , idosos. A imensa maioria de pessoas honestas e trabalhadoras.
Afastando àquelas abstrações, resta a indagação, que toda pessoa sensata pode urdir ante os absurdos perpetrados pelas forças que moveram os atos de violência caracterizadores do cumprimento da ordem de desterro: para onde vão essas milhares de pessoas indefesas? Os governos Estadual e Municipal, responsáveis pelo comando de evacuação, ofertaram alternativa habitacional decente a essas mulheres e crianças?
A resposta, como sempre, é não. Priorizando sempre a lógica do “cumprimento da lei e da ordem”, nenhum governo foi capaz de garantir o mais importante dos valores em jogo: o humano.
Há uma resolução da ONU, o Comunicado Geral nº 2, de seu Comitê Internacional pelo Direito à Moradia, que ordena a qualquer nível de governo a jamais cumprir ordens de desterro contra populações pobres quando a realização do despejo relegá-las à situação de maior vulnerabilidade e indigência.
E foi exatamente isso, mais uma vez, o que ocorreu no episódio do Pinheirinho. A reprodução de violações maciças e históricas ao Direito Humano mais fundamental, afeto ao Direito à Moradia, agregada à aniquilação do pacto federativo, quando o Judiciário paulista, chancelador da truculência militar de sempre, ignorou ordem federal que implicava na suspensão da operação bélica.
Priorizou-se, mais uma vez, a garantia de concretização de um naco de propriedade privada, amplamente discutível e de um só senhor, em detrimento aos direitos fundamentais de milhares de pessoas. Estamos falando de aproximadamente 9 mil pessoas que sequer foram notificadas com antecedência pelo comando militar do Estado sobre a concretização dessa operação truculenta, pautada à desoras, no escuro da madrugada, sem chance de diálogo com um aglomerado de seres que acreditaram num pacto federativo e confiaram que a decisão federal de suspensão do despejo massivo iria ser respeitada até decisão superior, como, aliás, mandam as regras democráticas.
Neste início de ano assistimos, sem grandes repulsas, à uma outra operação militar na chamada “Cracolândia”, enfeixada, segundo agentes governamentais, pela lógica da “dor e do sofrimento”, sempre, é claro, deferida contra pessoas miseráveis.
A solução aos graves problemas sociais, como esses, como a exclusão de milhões de pessoas aos rudimentos do Direito à Moradia não pode se dar pela lógica da dor e do sofrimento, como parece ser a regra neste Estado.
O episódio do Pinheirinho nos alerta, mais uma vez, para a necessidade de não nos resignarmos com essas sucessões de afrontas brutais ao Estado Democrático e Social de Direito, sob pena de assistirmos, impassíveis, ao triunfo da violência de Estado como solução de toda e qualquer demanda social. A substituição do diálogo pela força bruta é inadmissível.
WAGNER GIRON DE LA TORRE, é Defensor Público no Estado de São Paulo, atuando na Defensoria Regional de Taubaté. Ganhador, em 2010, da Comenda Dom Helder Câmara de Direitos Humanos, conferida pelo Senado Federal.
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