Texto bem redigido e atinge bem as eleições de 2012. Com a milícia infiltrada no poder do Estado ficará bem evidente o quanto ela influenciará para continuar no poder. É trágico ver o poder corruptível e associado à esse tipo de violência que temos. É de se lamentar profundamente que pessoas, sejam elas quem forem, aplaudam criminosos, que utilizam de violência cruel para conseguir o que querem, que monopolizam serviços a fim de lucrar, que matam, que dominam com força física e verbal.
O que dizer desses eleitores que aplaudem?
O que dizer desse governo corrupto e associado à eles que temos?
Muitas discussões, nenhuma solução e esse poder paralelo vai dominando cada vez mais. Até quando assistiremos à isso sem fazer nada? Até quando veremos aplausos para pessoas desse nível?
Milícias ganham poder à sombra das UPPs
Especialistas dizem que prisões não bastam e advertem para risco de, nas eleições, milicianos ampliarem poder à sombra do sucesso das UPPs.
À exceção dos agentes da Polícia Federal que escoltavam os presos, ninguém se importou com o pequeno grupo que esperava os irmãos Natalino e Jerônimo Guimarães, o “Jerominho”, na porta do 4o- Tribunal do Juri, dias antes do carnaval. Aquelas pessoas não estavam ali para protestar em nome das vítimas da Liga da Justiça, a maior milícia da Zona Oeste, liderada pela dupla. A claque queria, sim, aplaudir, render homenagens, celebrar a absolvição dos réus, acusados de tentativa de homicídio, e que continuam presos por outros crimes. Só não foram além porque a Polícia impediu a aproximação.
No dia 7 de outubro, data das próximas eleições municipais, o quadro será diferente. Não haverá barreira policial ou qualquer impedimento para a festa do crime. Contabilizadas as últimas vitórias — como a a devolução do mandato de vereadora a Carmen Glória Guinâncio Teixeira, a Carminha (filha de Jerominho) —, a Liga da Justiça poderá consolidar seu poder na Zona Oeste pela força das urnas.
Freixo: o mal dos ‘centros sociais’.
De todas as UPPs instaladas até agora, a única que ocupou espaços antes dominados por milícias foi a Batan, em Realengo, onde repórteres do Dia foram torturados em 2008. À maneira do tráfico, mas com um dos pés carimbados no coração do estado, as milícias espalham terror pelas comunidades menos favorecidas, sobretudo as afastadas do eixo formado pela Zona Sul e pelas áreas estratégicas para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Prisões têm sido feitas: 600, a maioria a partir da CPI das milícias.
O professor Luiz Cesar Queiróz, do Observatório de Cidades (Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia), sustenta, contudo, que a detenção de milicianos não desarticulou seu poder, exercido principalmente pelos centros sociais, que permanecem abertos quando seus fundadores são presos: — Por que os representantes não se mobilizam em termos de políticas metropolitanas para as áreas de transporte, educação, meio ambiente, saúde etc? Porque são representantes de seus currais, restritos a bairros. Não se interessam pelo que ocorre fora deles. Políticas metropolitanas são para todos, mas não pertencem a ninguém. Os milicianos estão dentro desse contexto. No exercício do mandato, seus representantes são localistas, paroquialistas. Esta forma de crime se mantém pelo controle político. As milícias precisam de representação para fortalecer o controle social que já exercem. Se, de um lado, se impõem pelo terror, do outro adotam o velho modelo udenista.
Artífice da CPI, o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) concorda que as prisões não arranham o esquema eleitoral dos grupos criminosos. O domínio territorial continua no pico. — Tenho informações de que muitos destes centros sociais identificados como de milicianos mantêm convênio com a prefeitura. O Deco tem centro social. Girão também. Fausto Alves é outro. Na CPI, propus que o licenciamento de vans fosse feito de forma individual, e não por cooperativas, outro setor claramente vinculado aos milicianos. Mas nada adiantou. O esquema continua.
Ex-secretário de segurança, autor dos livros “A Elite da Tropa”, I e II, e porta-voz da tese de que as milícias tomaram conta da cidade com poder maior que o do tráfico, o antropólogo Luiz Eduardo Soares vê a Zona Oeste como uma espécie de área de sombra da consciência carioca, daí o silêncio que costuma cercar o que ali ocorre. — O assunto “milícias” está ausente como estivera por muitos anos e permanecerá por longos períodos, mesmo depois de tornar-se foco da atenção midiática, quando profissionais de imprensa quase foram mortos. A tendência é ficar sepultado no limbo da atenção pública. Para as elites, as milícias mal existem, assim como a Zona Oeste. São personagens fantásticos, de outro planeta. A problemática emerge apenas nas crises, para logo hibernar. Discutir em profundidade tudo isso, fora da crise (atitude que a evitaria) não se faz, no Brasil.
A síndrome do 'gato orçamentário'.
O secretário de segurança, José Mariano Beltrame, discorda. — O problema com a milícia não é de vontade política. É de velocidade. A polícia do Rio tem mais de 40 anos no combate ao tráfico, e apenas 15 no combate aos milicianos. Por isso é tão fácil identificar e prender um traficante. No caso das milícias, não se desenvolveu uma expertise. É difícil identificar um miliciano. É um quebra-cabeças. Não existe o “crime de milícia” no Brasil. Não há tipificação.
Estive com o presidente do Senado, José Sarney, semanas atrás, levando uma proposta de alteração do código penal que contemple esta modalidade. Mesmo assim, ao tirar a Draco (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas) do âmbito da Polícia Civil e pô-la sob a Secretaria, temos a delegacia mais especializada do país. Não houvesse vontade política, não teríamos participado, com o deputado Freixo, da formação da CPI das milícias e prendido centenas de milicianos, nem teríamos posto atrás das grades cachorros grandes como Jerônimo e Natalino.
Fazendo questão de prestar loas ao trabalho da Draco, Luiz Eduardo volta à carga com o argumento de que o problema é bem mais profundo. Na sua ótica, as polícias, tais como estão organizadas, são fábricas de desordem, descontrole e ingovernabilidade. São refratárias à gestão e à prestação de contas à sociedade. Que, por sua vez, precisa cobrar que a UPP deixe de ser programa para virar política sistemática e sustentável e se estender às áreas de influência das milícias, que hoje controlam quase uma centena de comunidades. — O governo do Estado tem que fazer o que até agora recusou: meter a mão no vespeiro policial não só para prender indivíduos, mas para promover uma reorganização institucional e, na sequência, pressionar o Congresso por mudanças no artigo 144.
As milícias continuarão livres e soltas enquanto não mudarmos radicalmente nossas polícias e eliminarmos a fonte mais vigorosa de sua reprodução: o gato orçamentário. Como o orçamento para a segurança pública é irreal e os salários pagos, insuficientes, não se reprime o bico do policial na segurança privada, apesar de sua ilegalidade, para evitar que a demanda salarial provoque o colapso das contas. A ilegalidade é que permite a vigência de padrões salariais tão baixos, e viabiliza a estabilidade. Em outras palavras: na tese de Soares, a segurança privada informal e ilegal “financia” o orçamento. Ao se tolerar a ilegalidade “legítima”, bem intencionada, deixa-se florescer a ilegalidade perversa, orientada para ações criminosas, desde as que provocam insegurança para vender segurança, até grupos de extermínio e milícias, que persistiriam em uma estrutura incompatível com a racionalidade e a complexidade da vida democrática. De olho no calendário, ele adverte: — Não tenham dúvida: os elos com o estado se aprofundarão nas eleições, só que de modo mais discreto e mediado.
Beltrame: “polícia não é milícia”.
Neste pingue-pongue doutrinário, Beltrame rebate mais uma vez o antropólogo e ex-colega: — Milícia não é sinônimo de polícia. É uma organização formada por policiais, sim, mas também por bombeiros, políticos e agentes carcerários. São entes do estado que se utilizam de seu conhecimento para funcionar, o que as torna poderosíssimas. Dizer que os salários estão na origem disso é como dizer que pobre é bandido. De resto, nos últimos 15 anos os policiais militares do Rio tiveram reajustes da ordem de 100%. Vai demorar para ganharmos a expertise necessária, mas o Rio está na frente de uma luta que em breve será de todo o país. Um dia as milícias perderão o domínio territorial, assim como o tráfico. Mas isso não resolverá tudo: só com choques de cidadania e oferecimento de serviços pelo poder público e pela iniciativa privada, as milícias perderão a razão de ser.
Fonte: Arnaldo Bloch e Chico Otávio - O Globo
Na foto (de Carlos Ivan): policiais à serviço da UPP do Salgueiro.
Realmente, o texto é muito bom!
ResponderExcluirAcredito que a milícia pouco é incomodada pelo governo pois esta mesma milícia sustenta o governo, principalmente em épocas de eleição.
Exatamente! Sabemos que existem ligações políticas e esses líderes paralelos.
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